DEIXEM A JUSTIÇA EVOLUIR
JOSÉ RENATO NALINI
Só pode ser contra a resolução do Tribunal de Justiça de São
Paulo que autoriza o julgamento virtual de recursos repetitivos quem não
conhece ou não interessa conhecer – como são decididas essas causas.
O demandismo desenfreado é um fenômeno que para alguns
significa índice democrático: afinal, todos litigam e a Constituição Federal
promete que haverá um juiz em cada esquina, pronto a decidir todo e qualquer
tipo de conflito.
Até questiúnculas que poderiam ser resolvidas após conversa
franca e paciência dos contendores para ouvir a parte contrária. O excesso de
ações judiciais é prejudicial para todos.
Converte o Judiciário numa função ineficiente, ineficaz e
inefetiva. Desilude o sequioso de justiça e aumenta a sensação de que nada de
sério funciona no Brasil.
Os julgadores mais sensíveis com a situação desconfortável
tiveram de adotar técnicas de aceleração do julgamento, até mesmo porque
-servos do pacto federativo- querem assegurar às partes a duração razoável do
processo, que é um direito fundamental.
Diante de temas reiteradamente levados à sua apreciação,
elaboram o seu voto, mantendo a orientação predominante na turma julgadora e o
remetem – por via eletrônica – ao revisor ou segundo juiz.
Este, acordando com o primeiro, o encaminha também por
intranet ao terceiro. Isso se faz nos gabinetes, após detido exame dos autos.
Completa-se o julgamento sem a necessidade do ritual que apenas ratifica o
anteriormente decidido.
Não se pense inexistir divergência. Mas esta, em Câmaras
julgadoras formadas por julgadores experientes, é resolvida antes da sessão.
Raríssimas as vezes em que a sustentação oral – feita após o relatório lido aos
presentes em sessão pública – vai alterar o entendimento dos desembargadores.
Quem quer alterar a jurisprudência cuidará de elaborar boas
razões e de oferecer memoriais objetivos, concisos, focados nos pontos
controvertidos. Ninguém será insensível a uma abordagem nova, desde que
argumentos ponderáveis venham a ser oferecidos.
O Tribunal de Justiça de São Paulo é -com certeza- a maior
corte judiciária do mundo. Precisa adotar estratégias de fazer frente ao
exagerado acúmulo de processos. Valer-se de tecnologia que é utilizada sem
resistência pelo sistema financeiro, pelo comércio, pela interação que é hoje
arma obrigatória de participação da cidadania em todos os temas de interesse
coletivo.
O objetivo do Tribunal de Justiça não é apenas assumir o
princípio republicano da eficiência, obrigatório a toda prestação estatal. É
contribuir para mostrar à população que temas já pacificados não precisam ser
submetidos ao dispendioso, complexo e quantas vezes ininteligível sistema
judicial.
Talvez com isso os profissionais da área jurídica assumam o
compromisso de levar a sério as alternativas de resolução de conflito que
possam vir a reduzir a litigiosidade sem a intervenção heterônoma do Poder
Judiciário.
É preciso conscientizar toda a comunidade do direito, a mais
resistente a aceitar as novas tecnologias, irreversíveis e que podem facilitar
o convívio entre as pessoas, a converter o Judiciário num serviço público ágil
e eficiente.
A própria Justiça mostrou-se durante muito tempo infensa às
inovações. Quando ela dá um passo, ainda tímido como o do Tribunal de Justiça
de São Paulo, é preciso confiar que foi resultado de estudos e de meditação.
Confiram a ela um voto de confiança. Não somem com os seus detratores e com
aqueles que parecem tirar proveito da disfunção da Justiça, até torná-la inócua
e descartável.
JOSÉ RENATO NALINI é desembargador
do Tribunal de Justiça de São Paulo e integrante do Órgão Especial que aprovou
a resolução do julgamento virtual dos processos repetitivos.
O PROBLEMA É ESTRUTURAL, NÃO VIRTUAL
OPHIR CAVALCANTE
O inciso IX do Artigo 93 da Constituição Federal dispõe que
“todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos”, sendo
desnecessário transcrever neste espaço o teor completo de uma oração que traz,
na forma e no conteúdo, uma verdade universal: outorga-se à sociedade o direito
de acompanhar e conhecer os ritos da Justiça, a quem não se admite, nem de
longe, a idéia de subterfúgios.
Por mais coroada de justificativas que esteja a resolução do
Tribunal de Justiça de São Paulo de tomar decisões a partir de um plenário
virtual, ela escamoteia as deficiências estruturais crônicas que, se por um
lado transformaram o Poder Judiciário num mastodonte paquidérmico, pesado e
lento, por outro atormentam a vida dos pobres mortais jurisdicionados.
Ajuizar uma ação judicial nos tribunais é uma prova de paciência,
e confirma que o simples acesso à Justiça, garantia do regime democrático,
ainda é um sonho.
Estamos falando daqueles que, bem ou mal, ainda procuram a
Justiça, pois uma ampla maioria desiste no meio do caminho. Para promovermos o
efetivo acesso dos cidadãos, ainda precisamos de uma revolução sem armas, é
verdade, mas uma revolução de vontade, acima de tudo de vontade política.
Contudo, típico de quem não consegue se livrar do problema no
qual se enredou é buscar a saída rápida, que nem sempre se revela a melhor. Não
é de hoje que setores do Judiciário buscam bodes expiatórios para o problema da
morosidade.
A culpa está nos advogados, dizem uns, que inventaram essa
história de defesa; ou no cidadão, afirmam outros, que descobriram seus
direitos e resolveu reclamá-los.
Desde que é possível um advogado peticionar pela internet de
qualquer lugar do país, por que não usar dessa tecnologia para pular etapas e
dar um jeitinho nos processos encalhados? Não é tão simples assim.
A tecnologia transformou nossos hábitos e nosso modo de
tratar o mundo, mas não é panacéia para tudo. Até porque se há um benefício
nesses avanços, é justamente o acesso à informação, elevada a bem imanente do
sistema democrático, e não o contrário.
Nesse sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil tem
contribuído com os tribunais, emitindo milhares de certificados digitais e
estimulando a realização de cursos de capacitação para que todos tenham acesso
aos processos eletrônicos.
Isso é uma coisa; outra, bem diferente, é deixar-se levar por
caminhos desconhecidos que essa mesma tecnologia possa oferecer.
Nossa Constituição, de 1988, foi escrita sob o preceito de
que não teremos mais tribunais julgando sigilosamente o destino de pessoas,
salvo naqueles excepcionalíssimos casos previstos na legislação.
Trata-se, pois, de uma iniciativa que benefício nenhum
agrega, nem ao tribunal e muito menos a quem esteja sendo julgado, servindo
apenas para lançar mais sombras de dúvidas e insegurança sobre quem devia se
esforçar para manter seus ambientes iluminados.
Dúvida porque embora se busque usar as ferramentas
tecnológicas para apressar os passos, sabe-se que por trás delas estão homens
com toda a sua falibilidade e sagacidade, sobre as quais temos razões de sobra
para desconfiar.
Insegurança porque fere a norma constitucional, não
permitindo a plena defesa de quem esteja sendo acusado e impedindo que a
sociedade exerça, ainda que de uma forma indireta, certo controle sobre o
Judiciário, o menos transparente dos Poderes.
O problema da Justiça não está nos recursos, mas nos hábitos
e na estrutura, esses, sim, a merecer uma reconstrução para justificar o custo
do Poder Judiciário.
OPHIR CAVALCANTE é presidente nacional da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB)
Fonte: Folha de São Paulo, seção
Tendências e Debates, edição 22/10/2011.
Tags: celeridade, contraditório,
defesa, direitos fundamentais, duração razoável, evolução, Folha de São Paulo,
inafastabilidade, José Renato Nalini, julgamento virtual, Ophir Cavalcante,
Poder Judiciário, publicidade, recursos
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